MAS, O SENHOR ESTAVA TÃO BEM, AGORA HÁ POUCO!
Ao me acordar, hoje cedinho, dei-me a ouvir o cd da Banda de Pau e Corda, um grupo de Pernambuco, que há anos não mostra um novo trabalho, talvez bloqueada pela fúria assassina que tomou conta das gravadoras de nosso País, onde só se pode lançar sertanejos e forrós de gostos e tessituras duvidosos e, dentre as canções, uma belíssima: RECADO. Sem entender a louçania do meu gesto, lembrei-me da conversa amena e agradável que tive ontem, ao final da noite, com meu amigo e escritor Álder.
A música é uma apologia à valentia do Lampião e Maria Bonita. Em sua incursão, a vida sangrenta do sertão nordestino é descrita, mesmo que de forma melodiosa, em sua real crueza.
E onde o meu amigo é lembrado em tal música?
Falávamos sobre fobias. É certo que nós todos temos as nossas. Uns mais, outros menos, mas somos passageiros delas e, para sermos aparentemente normais, temos que conviver com elas para que não fiquemos mais depressivos mercê da vida louca e do azáfama da cidade grande com que, diuturnamente, convivemos.
Falava eu de minha acrofobia e de um fato ocorrido comigo, em 2009, quando estava em Brasília. Fomos, eu e minha mulher, que não conhecia a cidade, à Torre de Televisão e fui mostrar-lhe a bela visão que se descortina aos olhos de quem lá se encontra, quando se chega ao mirante. Tomei-me de um pânico repentino e tão violento que mal consegui andar em direção às grades que, mesmo com toda a proteção, a mim me parecia que eu voaria sem rumo e sem direção pelo Planalto Central, ao sabor do forte vento que soprava, na ocasião. Segurei-me no mastro central e de lá segui, a passos lentos e trôpegos rumo ao elevador, temendo escoar-me pelos diminutos furos sob meus pés, no patamar da torre.
Foi uma aflição. Até então, desconhecia a extensão dessa minha inusitada fobia.
Álder, então arrematou, com maestria, que uma fobia vem sempre associada a outra. Pois muito bem. Abriu-me ele o seu coração e contou-me um fato de sua vida em que se evidenciou uma claustrofobia.
Contou-me que estava em um elevador, com seu filho e outros parentes, quando o elevador se abre para que uma senhora entrasse. A tal senhora fez referência à lotação do elevador e o nosso amigo, tangido pelos rompantes do Lampião, e pela nossa própria criação machista, disse: “ minha senhora, não tema, se morrermos, seremos todos nós”, e ficou em posição de desafiante de todos os perigos do mundo, enquanto a referida senhora evidenciava um pânico, desmedido sob a ótica do nosso herói.
Acontece o imprevisto. O elevador sofre uma repentina pane e trava entre um andar e outro. Não mais que trinta segundos, mas o suficiente para que o nosso indigitado herói saísse da valentia machista e voluptuosa de Lampião para o medo absoluto. E demonstrou tudo isso com gestos, suores, olhos esbugalhados, dedos cruzados e uns “ai meu Deus, acuda-nos”, dignos de uma criança que se perde dos pais em um parque de diversão. A senhora olha para ele e diz: “mas o senhor estava tão bem, agora há pouco!”.
O elevador se abriu, o Álder foi um primeiro a correr, encontrando num banquinho sua tábua de salvação e onde se pôs a chorar, copiosamente, tomado de grande aflição e, também alívio.
Voltei para a Banda de Pau e Corda, rindo às escâncaras, mas refletindo sobre a fraqueza do ser humano, principalmente de nós, machistas, que sucumbimos, muitas vezes, a dores tão simples.
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