23 de nov. de 2011

O MAR E A SOLIDÃO

O arfar de ventos marinhos
Sopros traz de solidão.
O mar e sua imensidão.
Em seu ventre abriga tantos seres...
Cada um com seus ventres e entranhas,
Para o mar, serão estranhas?
O mar e sua solidão...

Na sua fúria se mistura com tais seres,
Com seus quereres...
Depois se reflui manso, braços abertos,
Marulhando sua imensidão.
O marinheiro que lhe singra
Derrama do seu barco sua solidão.

Parado aqui, esperando o mar em mim,
Esperando que se derrame em mim
Com ondas bem profundas,
Não ondas de solidão...
Ondas que me venham a esmo,
 Pois escondo a solidão em mim mesmo.

Sou o marinheiro, sou o barco,
Sou o arco que dardeja a solidão.
Sou a réplica do amor.
Da teia bem tecida sou o fio.
Como o mar, eu enfrento desafios,
Tenho bichos pregados nas entranhas...
Como o mar, adormeço e, nas manhãs,
Sorrio pra a solidão que me acompanha.


9 de nov. de 2011

UMA DECISÃO CORAJOSA
Quando pensamos que sabemos tudo sobre a vida, ou quase tudo, amparados pela experiência que ela nos confere ao longo desses anos todos de luta, sofrimentos, alegrias, enfim, todos os ingredientes que, digamos assim, poderiam se tornar em mais um desses livros de autoajuda, eis que o inusitado, esse tempero bom, prega-nos peças para que possamos refletir sobre.
Hoje à noite (já é madrugada) fui ao encontro de amigos ligados à música, para, além de ouvir, tocar e cantar algumas melodias, também conversar, trocar ideias, enfim, um excelente programa para uma descontraída noite de terça feira.
Claro, confesso, que, ultimamente, venho refletindo sobre relações humanas, casamentos, vida a dois e como a rotina disso tudo, por vezes, estraga um relacionamento. Se não houver maturidade, sinceridade, pessoas que se amam tendem a crer que o casamento, ou relação a dois, se preferem, acabar-se-ão pelo confinamento compulsório a que estão destinadas certas relações.
Na minha modesta opinião, quando cortamos o nosso cordão umbilical, dão-nos a senha da liberdade. Ficamos livres daquela que nos abrigou por nove meses, provendo-nos de nosso todo essencial, mínimo, de vida. Somos livres.
Mas o que ouvi, hoje (não dormi, ainda) sobre o fim de um a história de amor, encantou-me, sobremaneira. Acho que, ainda, não havia tido contato com tal experiência.
Uma mulher, muito elegante, bonita e com um charme que faria qualquer homem tentar uma aproximação vulgar numa noite quente de nosso verão, dedicou-me algumas horas de seu tempo e me contou sobre sua recente separação do homem a quem verdadeiramente amou. Era seu segundo marido e com quem tem um filho de três anos. Sofre de uma doença incurável, de natureza psiquiátrica. Isso tornaria a sua relação insustentável, inclusive com a iminência de uma tragédia maior.
A separação foi dolorosa, ainda que necessária. O amor, que ainda existe, foi afastado em prol de uma segurança pessoal e de seu filho.
Há três anos estão separados, idade de seu rebento.
A coragem dessa mulher tocou-me de forma contundente. Não se trata aqui de uma separação passional, onde o ódio se mistura com o amor dantes jurado. Não eram marinheiros de primeira viagem. Amavam-se e ele ainda a ama. A doença é barreira, mas o seu gesto não foi de covardia. Dele não cobrou nada, apenas compreensão.
A noite, para mim, ficou serena. Ao meu lado uma bela mulher, inteligente, corajosa, decidida, dona de seu próprio nariz. Uma mulher que trabalha e dedica sua vida aos seus filhos, um de cada casamento, e que consegue mostrar que pode ser maior do que amor que sentia pelo seu companheiro, mas, percebeu que a separação era o melhor caminho, para que ambos continuassem vivos e ela possa cumprir seu desiderato de mãe.
Se vai encontrar um novo amor, não sei. Mas será feliz aquele que conseguir chegar perto de um espírito tão honesto e generoso.
Hoje eu vou dormir em paz. Com coragem de enfrentar a minha vida.

6 de nov. de 2011

MAS, O SENHOR ESTAVA TÃO BEM, AGORA HÁ POUCO!
Ao me acordar, hoje cedinho, dei-me a ouvir o cd da Banda de Pau e Corda, um grupo de Pernambuco, que há anos não mostra um novo trabalho, talvez bloqueada pela fúria assassina que tomou conta das gravadoras de nosso País, onde só se pode lançar sertanejos e forrós de gostos e tessituras duvidosos e, dentre as canções, uma belíssima: RECADO. Sem entender a louçania do meu gesto, lembrei-me da conversa amena e agradável que tive ontem, ao final da noite, com meu amigo e escritor Álder.
A música é uma apologia à valentia do Lampião e Maria Bonita. Em sua incursão, a vida sangrenta do sertão nordestino é descrita, mesmo que de forma melodiosa, em sua real crueza.
E onde o meu amigo é lembrado em tal música?
Falávamos sobre fobias. É certo que nós todos temos as nossas. Uns mais, outros menos, mas somos passageiros delas e, para sermos aparentemente normais, temos que conviver com elas para que não fiquemos mais depressivos mercê da vida louca e do azáfama da cidade grande com que, diuturnamente, convivemos.
Falava eu de minha acrofobia e de um fato ocorrido comigo, em 2009, quando estava em Brasília. Fomos, eu e minha mulher, que não conhecia a cidade, à Torre de Televisão e fui mostrar-lhe a bela visão que se descortina aos olhos de quem lá se encontra, quando se chega ao mirante. Tomei-me de um pânico repentino e tão violento que mal consegui andar em direção às grades que, mesmo com toda a proteção, a mim me parecia que eu voaria sem rumo e sem direção pelo Planalto Central, ao sabor do forte vento que soprava, na ocasião. Segurei-me no mastro central e de lá segui, a passos lentos e trôpegos rumo ao elevador, temendo escoar-me pelos diminutos furos sob meus pés, no patamar da torre.
Foi uma aflição. Até então, desconhecia a extensão dessa minha inusitada fobia.
Álder, então arrematou, com maestria, que uma fobia vem sempre associada a outra. Pois muito bem. Abriu-me ele o seu coração e contou-me um fato de sua vida em que se evidenciou uma claustrofobia.
Contou-me que estava em um elevador, com seu filho e outros parentes, quando o elevador se abre para que uma senhora entrasse. A tal senhora fez referência à lotação do elevador e o nosso amigo, tangido pelos rompantes do Lampião, e pela nossa própria criação machista, disse: “ minha senhora, não tema, se morrermos, seremos todos nós”, e ficou em posição de desafiante de todos os perigos do mundo, enquanto a referida senhora evidenciava um pânico, desmedido sob a ótica do nosso herói.
Acontece o imprevisto. O elevador sofre uma repentina pane e trava entre um andar e outro. Não mais que trinta segundos, mas o suficiente para que o nosso indigitado herói saísse da valentia machista e voluptuosa de Lampião para o medo absoluto. E demonstrou tudo isso com gestos, suores, olhos esbugalhados, dedos cruzados e uns “ai meu Deus, acuda-nos”, dignos de uma criança que se perde dos pais em um parque de diversão. A senhora olha para ele e diz: “mas o senhor estava tão bem, agora há pouco!”.
O elevador se abriu, o Álder foi um primeiro a correr, encontrando num banquinho sua tábua de salvação e onde se pôs a chorar, copiosamente, tomado de grande aflição e, também alívio.
Voltei para a Banda de Pau e Corda, rindo às escâncaras, mas refletindo  sobre a  fraqueza do ser humano, principalmente de nós, machistas, que sucumbimos, muitas vezes, a dores tão simples.