A FÉ DIVINA E A IMPUNIDADE HUMANA
Hoje cedo, assisti a um telejornal, contando sobre o crime hediondo cometido em Cunha/SP por um presidiário, em gozo do indulto de semana santa desde 2009, contra duas adolescentes. A notícia, de per si, não me causaria espécie, pois não é novidade que a violência grassa no país, recrudescendo a cada dia, sem que nada seja feito para exterminá-la,por causa de um poder judiciário atrelado ao poder econômico, reconhecidamente servil, aliado a um Estado cúmplice de bandidos, onde só pobres e raças, para eles, inferiores, são apenadas. O que me causou revolta imensa, essa revolta que me é latente de há muito, foi a declaração do indigitado pai, dada em função de um manifesto contra o crime: “ o que me traz aqui é a fé que tenho no Senhor e saber que Deus perdoa”. Ora, isso para mim foi a gota d’água para uma explosão de revolta ao me sentir impotente na luta contra a criminalidade, pois ela encontra amparo e perdão divinos.
Divaguei bastante sobre o que ouvi, estarrecido. De uma lado, um pai sofrido diz que deus haverá de perdoar o facínora, levando uma turba de praticantes a se conformar com a crueldade com que as meninas foram executadas por esse monstro e, de outro, um arremedo de justiça, prometendo prender o assassino mas, como sabemos, um advogado, com sua OAB em dia, facilmente convencerá um juiz qualquer de que as meninas seduziram o bandido e elas queimarão no fogo do inferno para expiar sua pena e o criminoso terá o perdão divino( a justiça divina é superior à humana) e seguirá vestido de anjo da morte de deus, como está na bíblia, matando outras meninas,( como mataram os primogênitos do faraó que não atendia os caprichos de deus )que lhe tentarem provocar a libido, um pecado sem perdão divino.
Se deixarmos para outro plano o crime, isto é, saindo da visão católica, onde deus perdoa os bandidos, culpando os inocentes, vemos a filosofia espírita, ensinando que essas jovens foram mortas por esse monstro porque em vidas pretéritas elas teriam cometido um crime contra ele e que vieram, nessa nova encarnação, pagar seu erro e, também por essa abordagem, o bandido estaria perdoado, não podendo ser molestado para não perder sua evolução espiritual.
Não seria cômico se não fosse trágico esse raciocínio idiota. Ora, em nome de um deus que promoveu o primeiro exemplo de impunidade de que se tem notícia, pois Caim matou Abel, com arma conhecida, em local conhecido, em flagrante, pois que testemunhado por deus e seus pais, e saiu livre da silva do paraíso, porque deus perdoou; se tantos lugarejos foram dizimados nas cruzadas, para expansão econômica da igreja e aumento do seu séqüito de simpatizantes, pagadores do dízimo e seus executores foram igualmente perdoados por deus, mesmo porque apenas seguiam suas ordens; se tantos índios foram obrigados a deixar de adorar os seus deuses para adorarem a um somente, o maior e melhor de todos e, em nome desse deus, foram idiotizados, perdendo sua cultura e raízes, mas foram perdoados por deus, então, a fé em deus é a maior prova de impunidade de que se tem notícia.
Perante deus, comer bem é pecado (gula), ser rico é pecado, todo prazer é luxúria. Mas, por que só para os infelizes fiéis? A lógica é perfeita: povo pobre, aculturado, doente, sem perspectiva de vida, é povo crente, é povo que reza, que faz romaria, que lota templos e deixa seus minguados ganhos para gáudio da santa sé e de outros templos de seitas iguais. Rico é rico porque não é besta. Ele reza para seu patrimônio aumentar, prometendo umas esmolas e fazendo pagamento com cheque cruzado em preto nominal adeus. O rico é sócio de deus, amante incondicional da luxúria, da boa vida e da troca de favores para lotear o céu e distribuí-lo para seus apaninguados.
Acho que é hora de se dar um basta e evocar de vez o satanás para igualar essa luta. Se alguém mata e deus perdoa, vem o satanás e aquele executa sem medo de ser punido, pois até o satanás deverá ser perdoado. Vamos deixar de orar, gente, matemos quem rouba, mata, estupra, seqüestra, apropria-se do patrimônio público. Vamos pregar a violência contra a violência, não tenhamos comiseração dessas pobres almas de deus, elas só prestam para ele e que lhe sejam devolvidas para seu bom proveito. Evoé satanás. Não precisa mais rezar, pois o céu já está completo com os eleitos de deus, os seus asseclas papas, cardeais, bispos e essa gentalha toda. Não existe pecado em lugar nenhum. Não aceitem que lhes matem os filhos, vilipendiem suas esposas, dilapidem seu patrimônio, erigido com muita trabalho ( os que assim o foram), esperando que deus irá perdoar.
Uma coisa eu reconheço na inteligência divina: no sexto dia criou o homem a sua imagem e semelhança para no sétimo dia descansar. Claro, com tantos idiotas trabalhando eternamente para lhe suster as necessidades, atendendo-lhe todos os caprichos, o sétimo dia foi sua maior glória. Ora, existe coisa melhor: pecar a vida toda, pagar o dízimo, ser perdoado e ainda ter lugar cativo ao lado direito do Homem? Só uma coisa não entendo: onde andava Sílvio Santos que não pensou nisso antes?
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